Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Ed. Siciliano - São Paulo, 1991, pág. 252.
QUEM É?
Adélia Luzia Prado Freitas (Divinópolis, 13 de dezembro de 19351 ) é uma escritora brasileira. Seus textos retratam o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único.
Professora por formação, exerceu o magistério durante 24 anos, até que a carreira de escritora tornou-se a atividade central.
Em termos de literatura brasileira, o surgimento da escritora representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona-de-casa.
Cronologia
1950: Escreve os primeiros versos, após a morte da mãe.
1951: Inicia o curso de Magistério na Escola Normal Mário Casassanta.
1953: Conclui o Magistério
1955: Começa a lecionar no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho.
1958: Casa-se com José Assunção de Freitas.
1959: Nasce o primeiro filho, Eugênio
1961: Nasce o filho Rubem
1962: Nasce a filha Sarah
1963: Nasce o filho Jordano
1966: Nasce a filha Ana Beatriz
1972: Morre o pai
1973: Forma-se em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis e neste mesmo ano os poemas são lidos por Carlos Drummond de Andrade
1975: Publica o primeiro livro Bagagem, após indicação de Drummond à Editora Imago. Em seguida, Drummond publica uma crônica no Jornal do Brasil destacando o trabalho ainda inédito de Adélia.
1976: Lança Bagagem no Rio de Janeiro, com a presença de Juscelino Kubitschek, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Affonso Romano de Sant'Anna, Nélida Piñon, dentre outros.
1978: Lança O Coração Disparado, com o qual recebe o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.
1979: Lança a primeira prosa, Soltem os Cachorros
1980: Dirige a montagem de Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna pelo grupo de teatro amador Cara e Coragem.
1981: Publica Cacos para um Vitral e Terra de Santa Cruz; neste mesmo ano é apresentado, no Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Princeton, Estados Unidos, o primeiro de uma série de estudos sobre a obra.
1983-1988: Exerce as funções de Chefe da Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Educação e da Cultura da cidade natal.
1984: Publica Os Componentes da Banda
1985: Partcipa de um programa de intercâmbio cultural entre autores brasileiros e portugueses, realizado em Portugal, e do II Encontro de Intelectuais pela Soberania dos Povos de Nossa América, em Cuba
1987: Estréia do espetáculo Dona Doida: um Interlúdio, baseado em textos de livros da autora, encenado por Fernanda Montenegro, no Teatro Delfim, no Rio de Janeiro.
1988: Publica A Faca no Peito e participação na Semana Brasileira de Poesia em Nova Iorque
1991: Publica Poesia Reunida
1994: Publica O Homem da Mão Seca
1996: Estréia da peça Duas Horas da Tarde no Brasil, adaptada da obra da autora pela filha Ana Beatriz Prado e por Kalluh Araújo, no Teatro Sesi Minas, em Belo Horizonte
1999: Publica Oráculos de Maio e Manuscritos de Felipa
2000: Estreia do monólogo Dona da Casa, adaptação de José Rubens Siqueira para Manuscritos de Felipa
2005: Publica Quero Minha Mãe
2006: Morre o irmão, Frei Antonio do Prado, OFM
2010: Lança A duração do dia
2011: Lança Carmela Vai à Escola
Silêncio poético
A literatura brasileira, além de ser fortemente marcada pela presença de Adélia Prado, também foi marcada por um período de silêncio poético no qual a escritora "emudeceu sua pena". Depois de O Homem da Mão Seca, de 1994, Adélia ficou cinco anos sem publicar um novo título, fase posteriormente explicada por ela mesma como "um período de desolação". São estados psíquicos que acontecem, trazendo o bloqueio, a aridez, o deserto". Oráculos de Maio, uma coletânea de poemas, e Manuscritos de Felipa, uma prosa curta, marcaram o retorno, ou a quebra do silêncio. Rubem Alves refere-se a esses silêncios em A Festa de Babbete.
em 24/02/2014