Psicólogo / Psicanalista Clínico ICPB Nº 20220001

Razões de atrito...

Há pessoas que pulam em frente, que se "acusam" desde pequeninas no colégio, mesmo que não tenham culpa, que se oferecem para trabalhos voluntários. E outras mais cuidadosas, que não sentam na primeira fila, nem levantam a mão toda vez que a professora pergunta quem é que sabe a resposta. ?

Lembro-me a Escola Imaculada Conceição em Ceres - Goiás, tinha sempre alguma menina que pedia para sair da sala, ir ao banheiro, e assim que a freira deixava, logo outra e outra se levantavam pedindo "eu também!" "eu também". 

Aquelas meninas tinham vontade de ir ao banheiro, mas não conseguiam a coragem de pedir... Cruzavam as pernas apertadas e rezavam para que alguém mais ousado aparecesse. Acho que se não aparecesse, eram até capazes de fazer xixi nas calças...

Pois o amor também a gente fica às vezes com vontade de sair de sala, mas sem coragem de pedir... Acha sempre que pode aguentar mais um pouco...

E enquanto acha, vai empurrando o outro para que peça primeiro, criando situações para que ele seja levado a isso... A diferença é que no amor o processo é menos consciente...

Joana era casada com Alberto... Uma pessoa muito amável e carinhosa, e ele um profissional muito dedicado, aparentemente uma dupla ideal... Só que não funcionava bem assim... "Eramos diferentes demais... 

Eu tinha 17 anos quando o conheci... Gostava de rir, de badalar, de beber, comer, era exuberante demais... Ele, completamente ao contrário... Tivemos problemas demais, crises demais..." Um dos dois teve que decidir primeiro...

"O que conta", diz Joana, "não é quem deixou quem... É a ruptura. Sobretudo porque inconscientemente podemos forçar alguém a nos deixar... E há sempre várias versões de uma mesma ruptura."

Inconscientemente, o homem que já está cansado traz um amigo para dentro do circulo da relação, e o aproxima demais da parceira... Quando ela resolver ir embora com o outro, ele ficará como vitima...

Inconscientemente, a mulher que não quer mais aumenta as razões de atrito, faz tempestades em copo d"água... Quando ele afinal acabar com a relação, ela dirá que já não aguentava mais o temperamento irascível daquele homem...

Empurramos o outro para o abismo porque não temos coragem de dar o salto... Assim, não só evitamos a responsabilidade, como nos reservamos o direito de ter um arrependimento na última hora, e fazer o possível para que o outro volte a nos querer...

 

Ronaldo de Mattos - Psicanalista Clínico