As projeções de uma Imagem
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Homens e mulheres no seu desencontro rotineiro projetam a fantasia do encontro ideal, mas esses encontros entre nossas fantasias nos depararam com o real e o imaginário.
Diante dessa circunstância e fantasias criamos imagens. E sobre essas imagens gostaria de pensar um pouco:
Seja qual for à forma de convivência com a imagem, ela é bastante perigosa. Porque a imagem pretende, em princípio, aparentar uma pessoa diferente da pessoa real.
Para isso, ela deverá funcionar como outro eu, uma espécie de espelho distorcido que necessita do eu para existir, mas que não lhe é fiel.
O eu é para a imagem qualquer coisa assim como um cabide para uma roupa, um cabide indispensável para sustentação de uma nova roupagem, ou seja, uma nova aparência.
Mas, à diferença de uma roupa, a imagem é passiva. Pelo contrário, a partir do momento em que se instaura, torna-se até mais ativa do que o eu, porque é ela, é só ela, que deve aparecer.
Nesse sentido, ela é perigosa. Pois, embora comandada pelos impulsos mais profundos do eu, a sua tendência é acabar com o eu enquanto individualidade.
O eu, sufocado, negado pode concordar com o jogo, e deixar cada vez mais espaço para a atuação da imagem, até praticamente apagar-se.
Ou rebelar-se, como talvez seja o caso de certos atores que no auge da carreira começam a beber, usar entorpecentes, destruindo a imagem e às vezes até mesmo o seu suporte.
Ter uma imagem significa, na verdade, ter sempre um duplo. E, portanto, manter um duplo jogo com a vida. Não é fácil, nem é seguro. Como um ator, quem vive com uma imagem (ou seria mais certo dizer “por uma imagem”) tem sempre medo de esquecer o diálogo, de errar a entonação, revelando toda à farsa. Obriga-se assim à atenção constante, pronto a remediar rapidamente qualquer deslize.
Observo esse estado de perigo em pessoa conhecidas. Tudo vai bem, o interlocutor dono da imagem está tranqüilo, relaxado, atuando com toda displicência. E, de repente, alguma coisa que o outro diz, uma dúvida que o outro levanta acende dentro dele o alarma.
O olhar tem um instante de fuga, como se, assustado, olhasse para dentro em busca de socorro. A expressão do rosto se turva. Mas é uma fração de tempo infinitesimal, que só o observador atento, predisposto, capta.
Imediatamente, naquele sistema interno todo convocado, a resposta é forjada, o conserto é feito habilmente, para que nem se perceba que houve quebra. E o fluir aparentemente natural da conversa é retomado.
Não, não é fácil, embora possa se criar uma espécie de segunda natureza para atuar nessa área, natureza ágil, bem treinada para a guerrilha do faz-de-conta. Nem é exatamente agradável. E não é agradável por razões mais profundas do que o medo de ser desmascarado.
Viver em função de uma imagem significa, fundamentalmente, renunciar a si próprio, àquilo que na gente há de mais verdadeiro. E por que alguém renunciaria? Por não gostar de si.
O rapaz que conheço que vive a imagem da perfeição não é perfeito, como ninguém é. Mas não aceita sua imperfeição. Ele não gosta de suas fraquezas, de seus defeitos. Propunha-se, talvez desde muito cedo, talvez obedecendo algum exemplo, vir a ser um grande homem, um homem importante, um daqueles homens que não passam despercebidos em lugar nenhum.
Fantasiou a mulher perfeita que o acompanharia, os filhos perfeitos que teriam, a casa perfeitíssima em que morariam. Tudo seria lindo e feliz como um filme colorido.
Mas a realidade não obedece a script, e ele acabou não se tornando um grande homem. Ficou, com algum mínimo destaque, numa medida média. Uma medida que seria até excelente para quem não tivesse tido planos de tamanha grandeza. Mas que ele não aceitou.
E, não se aceitando, teve medo de não ser aceito pelos outros. Começou então a criar o outro, para que fosse aceito em seu lugar, para que fosse amado em seu lugar. E amou o outro mais do que amava a si.
É este o sofrido fio com que se tecem tantas imagens. O desamor pela própria realidade.
Ronaldo de Mattos - Psicanalista Clinico