Partilhar... Uma conversa bonita.
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Bonita, essa conversa de partilhar! Não há quem não goste. Mas só da conversa, porque na hora de partilhar mesmo, de dividir, metade pra cá, metade pra lá, a coisa parece mais difícil.
Partilhar, por quê? Porque em amor as pessoas querem dar e receber. E o melhor é que isso seja feito na mesma medida. Ainda que inconscientemente, começamos a partilhar desde o inicio de uma relação de amor.
Pois procuramos a identidade, a pessoa que, parecida conosco, nos complete, e só há um meio para testar essa identidade: entregar nossos pensamentos, nossos desejos, nossos projetos, e ver se coincidem ou se aproximam dos desejos, pensamentos, projetos dele.
Isso é o começo do partilhar. É um momento emocionante da relação, quando do alto do nosso penhasco lançamos a mensagem para o penhasco dianteiro, e esperamos em ânsia que o eco anule aos poucos a distância.
E também o mais espontâneo, momento de falar muito, de contar o passado, as reminiscências infantis. No desejo totalizador do amor, parece-nos difícil aceitar que tenha havido um tempo em que sequer nos suspeitava.
E contando-lhe esse tempo tentamos integrá-lo nele, como se, ausente então estivesse, porém, em suspensão no nosso futuro, predestinado para vir. Isso, no inicio. Porque logo coisas mais concretas e às vezes bem mais prosaicas têm que ser partilhadas, pondo a prova a nossa real capacidade de conviver.
Uma coisa é, no inicio do namoro, afirmar “Eu adoro homem-pássaro”! E suspirar estática diante do Ícaro que à sua frente parece realmente descido do céu.
Outra coisa é conviver com um homem que passa o sábado e o domingo, de manhã à tarde, subindo ao alto de um pico, para descer em curvas pelo céu, e tornar a subir. Uma coisa é ele dizer, no começo da relação “Essa de machismo não é comigo”. E outra é conviver serenamente com uma divisão de tarefas que pode implicar para ele também em lavar a louça ou fazer as compras do supermercado, ou cozinhar.
Isso não significa que, tendo dito uma coisa, seja necessário mantê-la até a morte. Todos podem e devem mudar. Significa porém, mais sinceridade na hora das afirmações, ou seja, afirmar aquilo que realmente se pensa e não aquilo que, sabemos, irá agradar o outro. E signifique também uma certa, realística, elasticidade na hora de concretizar os sonhos, de morar juntos.
Se for um homem-pássaro o que você escolheu, será preciso passarar com ele, criar pelo menos asas na alma, se não tem a coragem de carregá-las nas costas.
Subir de carro ao alto do morro levando a tralha dele, e descer para esperá-lo na chegada é uma forma direta de partilhar. Mas partilhar pode ser também ficar em casa, ou fazer qualquer outra coisa que nos agrade, entrevendo com prazer a hora do encontro, os relatos dos vôos.
Partilhar será também por nossa parte, desistir vez por outra das nuvens, e fazer com ela o que ela gosta de fazer, com interesse igual ao que ela dispensa às nossas atividades
Partilhar é, enfim, viver em harmonia com o outro. E como andar de tandem, aquela bicicleta para dois ciclistas que só funciona realmente se as pedaladas estão no mesmo ritmo, e se, sobretudo, os dois querem ir na mesma direção.
Partilhar, portanto, não é apenas dividir tarefas e ocupações, é estar junto no modo de ver a vida, é fazer dos próprios sentimentos uma área livremente transitável. E isso só se consegue com intimidade.
Ronaldo de Mattos - Psicanalísta Clínico